sábado, 23 de setembro de 2017

É por estas e por outras que nunca votei nas “autárquicas”


Alberto Gonçalves - OBSERVADOR


De Norte a Sul, larguíssimas centenas de criaturas decidem publicitar na berma da estrada os seus inestimáveis préstimos em prol do bem colectivo. Como potencial usufrutuário dessas benesses, eu passo
Há dias, durante conversa enfadonha, descobri não saber quem é o presidente da câmara do município onde vivo desde que nasci. Suspeito tratar-se de um homem e, talvez, de um socialista. Porém, sinceramente ignoro se é novo ou velho, não o identificaria num alinhamento da polícia e não conseguiria acertar em qualquer dos seus nomes mesmo que me oferecessem cinco milhões de euros (não ofereceram).
E isto nada tem a ver com Matosinhos, o município em causa: de seguida reflecti dois minutos e concluí, com certa surpresa, que o meu desconhecimento do “star system” autárquico se estende a Portugal inteiro. Tenho ideia de que Rui Moreira preside ao Porto e de que um misterioso sujeito chamado Medina, anda, ao que me dizem, a cavar buracos em Lisboa. E só. No resto do país, o universo do dito “poder local” é para mim um nevoeiro de figuras indistintas, que penduram péssimas gravatas para aparecer a sorrir atrás de governantes igualmente baços ou do prof. Marcelo. E q23ue, de quatro em quatro anos, penduram cartazes extraordinários a enaltecer as próprias virtudes.
Os cartazes, e o portentoso aroma a Terceiro Mundo que a maioria dos ditos exala, são, no que me diz respeito, quase o único aviso de que as eleições autárquicas se aproximam. De Norte a Sul, larguíssimas centenas de criaturas decidem publicitar na berma da estrada os seus inestimáveis (ou seja, que nenhum indivíduo são é capaz de estimar) préstimos em prol do bem colectivo. Enquanto potencial usufrutuário de tais benesses, eu passo. Passo pelos cartazes e passo, com maior rapidez, pelos abundantes debates televisivos, nos quais bandos de anónimos (para mim, insisto) discutem bicicletas, “inclusão” e “progresso sustentável”. Julgo que até os antigos maias exibiam métodos de tortura menos cruéis.
Aqui chegado, é se calhar redundante confessar que não voto nas “autárquicas”. Nunca votei. Nunca estive sequer indeciso quanto ao exercício do dever cívico, que no meu particular entendimento implica cívica e obviamente em ficar em casa. De que me valeria optar por A em detrimento de B, C, D, E e F se A, B, C, D e E tentam convencer o povo através de promessas de aeroportos, estações de TGV a cada porta ou 600 km de ciclovias? E se F se dedica a alucinações ainda mais destrambelhadas? Antigamente, as aldeias possuíam o seu maluquinho oficial. Hoje, as campanhas das “autárquicas” indiciam que os maluquinhos são inúmeros e concorrem todos a cargos políticos.
Em abono da verdade, convém notar que, após as eleições, esses transtornos emocionais cedem lugar à realidade. Infelizmente, a realidade não é muito melhor. Para A, B, C, D e E (F, entretanto, foi internado), consiste na edificação de pavilhões inúteis, no patrocínio de “certames” (inevitavelmente “patentes” nos pavilhões), na “implantação” de rotundas, em encomendas de obras “artísticas” (entulho para enfeitar as rotundas) e nas gerais maravilhas do serviço público, consubstanciadas nos trinta e sete meses que a junta demora a remendar um canteiro. Sobretudo as autarquias existem para providenciar um salário aos autarcas, uns favores aos compinchas que ajudaram a eleger os autarcas e uns empregos à quantidade de munícipes suficiente para, em teoria, assegurar a reeleição dos autarcas.
A fim de sustentar estas vitais manigâncias, as autarquias cobram impostos, de que não consigo fugir excepto para a cadeia ou as Caraíbas. Em suma, pago os impostos, necessários à sobrevivência das instituições necessárias à cobrança dos impostos. Mas imaginar-se que, de brinde, legitimaria o saque com o meu Domingo e o meu voto já é forçar a nota. Por regra, esqueço-me simplesmente de que é dia de eleições e faço o que me apetece. Por sorte, este ano a CNE e o governo resolveram condicionar os horários do futebol e, de modo inadvertido, sugerir-me um programa de ocupação dos tempos livres. É aproveitar, que o tempo começa a ser pouco. E a liberdade também.

Nota de rodapé:
Uma destas noites, sonhei que levava a Natalie Portman a jantar fora. Guardo os pormenores comigo. Na noite seguinte, sonhei que, por insondáveis processos, assistia a uma reunião do comité central do Bloco de Esquerda, onde um@ dúzi@ de sujeit@s pessimamente lavad@s escolhia a medida mais “fracturante” e demente a impôr ao parlamento, perdão, ao governo, perdão, ao país. Partilho os pormenores convosco.
— E se, dizia um@, criminalizássemos o uso de bikini na praia, por discriminação das muçulmanas que, no usufruto da sua liberdade, desejam banhar-se tapadas até ao cocuruto?
— Acho pouco, dizia outr@. E se, além disso, obrigássemos toda a gente a vestir “burkini”, a fim de prevenir a desigualdade de género?
— Nem pensar, já que essa atitude pressupõe o género apenas binário, claramente um constrangimento fascista.
— Exacto! Temos de inserir a não-binaridade no debate!
— Claro que sim. Até o Facebook, que é americano, logo fascista, inventariou 56 géneros.
— Significa então que precisamos de estipular 56 vestuários de praia?
— E 56 lavabos nos cafés das imediações?
— No mínimo!
— E com multas pesadas para os recalcitrantes!
— O que quer dizer recalcitrantes?
— Depois vês, mas pergunto-me se fará sentido discutir um tema tão pertinente fora da época balnear.
— Pois, é quase Outubro… Mas então vamos discutir o quê?
— Talvez a mudança de sexo das crianças ou assim…
— Isso, isso. Vamos obrigá-las todas a mudar para o oposto!
— E qual é o oposto de cada um dos 56 géneros?
— É pá, não compliques…
— E se algumas crianças não aceitarem mudar coisa nenhuma?
— É porque são vítimas de uma socialização retrógrada.
— E fascista, não te esqueças.
— Desculpem: e fascista.
— Não levem a mal, mas não há hipóteses de as crianças não quererem mudar de sexo?
— Criança não tem querer!
— E se apenas permitíssemos que as crianças decidissem?
— Só permitir não tem piada…
— E se proibíssemos os pais de opinar a propósito?
— Isso sim, é falar!
— E se os pais que discordarem forem processados?
— Pelos próprios filhos? Espectacular!
— Ficamos então por aqui: os putos transformam-se na Guida Scarlatty aos 16 anos e os paizinhos calam-se.
— E os outros 54 géneros?
— Agora não chateies, pá… Já viste as horas?
— Desculpem. Fui um bocado fascista.
— Pois foste, mas já passou. Não se esqueçam que para a semana vamos debater a legalização do casamento com moluscos.
— Excelente. Quantos géneros têm os moluscos?
— Vai chatear o Camões… Tenho de me despachar para apanhar o miúdo na escola.
— O miúdo não quer mudar de sexo?
— Levava um estaladão…
— Um fascista, é o que tu és.

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