Tempo Caminhado: A Europa – Origens (I) |
Na imagem: Vitória de Samotrácia
Com naturalidade, os indo-europeus deram origem a uma civilização, na qual se irá alicerçar todo o pensamento europeu: a civilização grega.
Com naturalidade, os indo-europeus deram origem a uma civilização, na qual se irá alicerçar todo o pensamento europeu: a civilização grega.
De um passado guerreiro, heroico
e nobre contado por Homero, os Gregos avançam para o mundo do pensamento.
Nos seis séculos que decorrem
desde Agamémnon a Péricles, os Gregos Antigos estabeleceram colónias desde a
Crimeia, onde Orestes encontrou Ifigénia, à Cólquida, no extremo do Mar Negro,
onde Jasão encontrou Medeia e o Velo de Ouro, até às margens orientais do
Mediterrâneo. Neste período, no Dodecápole da Jónia (a fiada das doze cidades
antes de Atenas), nasceram poetas como Anacreonte (570.a.C.) e filósofos como
Tales (600 a. C.). E 300 anos antes de Platão, nasceu em Éfeso Heráclito, o
precursor da teoria da evolução, exposta em apótemas enigmáticos, ao qual não
foram alheios Hegel, Darwin, Spencer e Nietzsche. Em Lesbos nasceu a poetisa
Safo no ano de 612 a.C., em Samos, nasceu Pitágoras (580 a. C.) e em 594 a.C,
já com 45 anos de idade, surge na política grega uma personagem notável, Sólon.
Que obteve o compromisso entre ricos e pobres num período de grande conflito,
com os pobres a pedirem maior redistribuição de riqueza. Os mais ricos dos ricos dizia, “não são
maiores do que aqueles cujos únicos bens são o estômago, os pulmões e os pés, que
lhes proporcionam alegria, não dor” (Will Durant). Ideia que será enriquecida no
famoso elogio fúnebre de Péricles (n. 492 a. C.), transcrito por Tucídides. E
que orientará a democracia então surgida. Porque a partir de Péricles se
desenvolverão as bases de todo o pensamento Ocidental. É neste período (na
denominada época clássica), que os Gregos se afastam do simples empirismo,
ultrapassando as explicações míticas da religiosidade do saber do tempo de
Homero (o tempo Antigo), para o desenvolvimento extraordinário do pensamento
racional. E ao procurar explicar as coisas, interrogando-se, nasce a Filosofia
como uma actividade que abrange todo o tipo de saberes. Que maior contribuição
do que esta poderia a Europa ter? Nenhuma, porque esta é a base, o alicerce
superior da cultura europeia.
E como a Filosofia, para os
Gregos, abarcava todos os saberes, seria fastidioso enumerar os contributos
destra civilização na ciência (área de saber que é preciso dominar, para
conhecer, a singularidade europeia), na governação, na arte, na literatura, na
religião, na ética, etc. Mas não deixamos de mencionar um contributo
extraordinário, o da ciência. Numa área concreta – a geometria. É um sistema
simples, elegante e lógico, aprendido por etapas. Cada assunto é demonstrado a
partir do que ficou estabelecido na etapa anterior. Ou seja, as respostas
haviam de ser simples e lógicas (e matemáticas). Como as de uma criança. A este
propósito lembramos uma passagem de Platão (Timeu, 22b) sobre o dito de um
sacerdote egípcio muito idoso (de Saïs) a Sólon [embora se referisse às “coisas
do passado”]: “ Sólon, Sólon, vós, Gregos, sois sempre crianças; velho, um
Grego não o é”. Tanto Newton, como Einstein afirmaram séculos depois o que os
gregos já haviam dito. Só estaremos perto de uma resposta certa se a nossa
resposta for simples. Este é um dos maiores legados que a Europa deve aos
Gregos.
É certo que as reminiscências dos
indo-europeus estavam lá. Basta lembrar Aristóteles (cujo pensamento foi
predominante na cultura europeia durante 1500 anos) que em termos de governação
preferia a timocracia (governo pela honra), uma combinação de aristocracia e
democracia, onde o sufrágio se restringiria aos proprietários e a numerosa
classe média seria o eixo da balança do poder. Tanto ele como Platão entendiam
que a democracia degenerava sempre em anarquia, porque não era o governo dos
melhores, mas sim da multidão. E é esta a questão. O sentido de aristocrata,
neste tempo, já não é o do indo-europeu – o de melhor pela sua linhagem, pela
sua nobreza de sangue, de nascimento. Será o melhor pela qualidade da sua
virtude, pela sabedoria da sua alma. São várias as referências de Aristóteles
(e de tantos outros) ao mérito, como este é referido no elogio fúnebre de
Péricles. Não interessa que se seja rico ou pobre, mas “bom”.
Péricles elevou este pensamento à
altura das estrelas: “… qualquer um pode distinguir-se de acordo com o seu
mérito na vida pública. A classe a que cada um pertence tem menos importância
do que as suas qualidades pessoais; para quem deseje servir a cidade, nem a
pobreza, nem o facto de ser de baixa condição constituirão impedimento” (Tucídides
transcrito por Violaine Vanoyeke).
O que se transcreveu desse elogio
memorável (e aquilo que se não transcreveu, como por exemplo as qualidades como
a generosidade), é aquilo que constitui a alma
europeia, que no futuro o Cristianismo desenvolverá com outras “roupagens”
(mas também com outro aprofundamento) numa mescla da cultura grega e da cultura
romana, próxima etapa destas origens europeias.
Armando Palavras
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