quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Uma questão de Literatura Russa

  
Pedro Correia, proprietário do blogue http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/ , contactou-nos há dias para escrevermos artigo em rúbrica própria. Aproveitámos para lhe enviar súmula de ensaio sobre a Literatura Russa, que pode ser lida AQUI. Na qual nos vimos na obrigação de cortar uma quantidade de notas explicativas.
Publicado, deu origem a certos comentários, como é costume nestas publicações online.
Um dos comentadores, Luís Lavoura , estendeu-se em questões de forma, em vez de conteúdo, e em pormenores que mais respeita às atrocidades nazis do que às comunistas soviéticas.

A dado passo comenta: “Chernyshevski - Para leitores portugueses, dever-se-ia escrever "Tchernychevski". O mesmo se aplica, penso eu, a Chalamov e Chmeliov. O melhor é ver a ortografia russa dos nomes para tirar dúvidas”. E acrescenta: Evgueni Zamiatine - "Yevgueni Zamiatin" estaria mais de acordo com a forma de ler".

Para um texto de seis páginas, o que é que este comentário acrescenta ao conteúdo? Nada! Nem mesmo à ortografia; à nomenclatura russa.

Um comentador anónimo diria:Aproveito para esclarecer que a forma como se escrevem os nomes russos depende das edições”.

É claro que Luís Lavoura botou a “faladura” de certos “eruditos”:
“a forma como se escrevem os nomes russos depende das edições - Não. Os nomes russos escrevem-se de uma só forma, no alfabeto cirílico. Quando se transcreve esses nomes para o alfabeto latino, podem-se usar diferentes convenções - a convenção de leitura alemã, a inglesa, a francesa, a portuguesa, etc.
Por exemplo, os franceses escrevem "Poutine" para o nome que nós escrevemos "Putin". Os alemães escrevem "Gorbatschow" para o nome que nós escrevemos "Gorbatchov". E assim por diante.
Se o Armando Palavras quer escrever este texto em bom português, então deve utilizar sistematicamente a transcrição fonética do português. Por exemplo, em português "ch" não se lê "tch" como em inglês.
Deve ter em atenção que alguns sons "e" se lêem "ie" em russo. Por exemplo, no nome Ievgueni. Isso é claro na escrita cirílica do nome”.

Peguemos neste primeiro ponto – na nomenclatura russa -, ao segundo já lá iremos.
É óbvio que “Os nomes russos escrevem-se de uma só forma, no alfabeto cirílico”. Como em qualquer alfabeto se escrevem todos os nomes! Mas Luís Lavoura sabe muito bem que tudo depende do tradutor (da convenção que cada um segue, como ele próprio diz). Os exemplos que poderíamos rebuscar não caberiam nesta página. Referimo-nos inclusivamente a nomes da Antiguidade! Ou a obras como a Vulgata, traduzida do Grego por São Jerónimo.
E como Luís Lavoura quer entrar nesta “conversa fiada”, sobre esta questão temos a dizer o seguinte: Evgueni Zamiatine foi traduzido, para português, por exemplo, por Manuel João Gomes, a partir da versão inglesa. E por Nina Guerra e Filipe Guerra. Ambas usam a mesma nomenclatura. A que nós usamos para o “ensaio”, porque foram essas traduções que lemos.
José Milhazes, por exemplo, escreve na sua tradução dos contos de Kolima (que Luís Lavoura não leu), o nome de Varlam Chalamov de forma diferente de outros tradutores que utilizam o “S”. Aliás, na tradução de Milhazes até acontece coisa interessante: na capa do livro, o nome do autor russo aparece escrito com "C" e no texto, com "S". É preciso não esquecer que Milhazes domina o russo. Viveu na Rússia vários anos. Qual será a transcrição (correcta) fonética do português? O douto Luís Lavoura saberá explicar?
Para outras transcrições da nomenclatura tivemos de nos servir dos ensaios  de George Steiner ou Marshall Berman, porque não existem obras vertidas desses autores para português. Por exemplo, "Le ciel de La Kolyma" de Evguénia S. Guinzbourg só conhecemos a versão francesa, publicada há mais de 30 anos! Já agora, como se escreverá Kolyma? Com "i" ou com "y"? Esperamos que Luís Lavoura nos elucide!
Mais, se Luís Lavoura conhecesse esta Literatura, verificaria que muitos termos russos são “quase iguais” a termos portugueses, como foi notado por Z. Consiglieri Pedrozo no século XIX (nota elucidativa a que não teve acesso, porque se encontra no ensaio original). E que, ao contrário do que diz, o “ch”, em regiões como Trás-os-Montes se lê “tch” (como no inglês). Basta que consulte uma obra recente de Jorge Lage – “Mirandela, outros falares”. Ou "Língua Charra" de A.M. Pires Cabral.
Mas nem é necessário recorrer ao erudito novecentista. Nós próprios que não temos formação académica nessa área linguística (mas com formação cultural considerável, dizem-nos) lhe arranjaremos uma dúzia de termos, em qualquer obra russa, iguaizinhos a termos portugueses. Muitos deles iguaizinhos a termos transmontanos! Termos e frases completas!

Quanto ao segundo ponto, o comentador diz em primeiro comentário: “a libertação dos campos de extermínio de Treblinka e Majdanek - Treblinka não foi libertado, já que tinha sido encerrado pelos nazis em finais de 1943. Os nazis tiveram aliás todo o cuidado em demolir e dissimular os restos do campo, pelo que, provavelmente, quando os soldados soviéticos por lá passaram nem viram nada de distintivo. Creio que, após a guerra, foi necessário fazer um trabalho não-trivial de pesquisa para se descobrir onde se situava o campo”.

O comentador anónimo respondeu: “E sobre Treblinka é fundamental a leitura de um testemunho de Chil Rajchman: "Sou o Último Judeu".

Ora Luís Lavoura não foi de modas: “a libertação dos campos de extermínio de Treblinka e Majdanek - É difícil ter estado na libertação desses dois campos, dado que Treblinka (que, repito, já tinha sido destruído e camuflado quando as tropas soviéticas lá chegaram) fica no norte da Polónia, a uns 100 quilómetros a nordeste de Varsóvia, enquanto que Majdanek fica no sudeste da Polónia, mesmo ao pé de Lublin. Certamente que foram colunas distintas do Exército Vermelho que ocuparam os dois campos.
É provável que se queira referir às libertações dos campos de Majdanek e Auschwitz, esses sim situados no sudeste e sudoeste da Polónia, respetivamente, e que provavelmente terão sido libertados pela mesma coluna do Exército Vermelho (em datas distintas, claro)”.

Quanto a este segundo ponto, que nenhum interesse tem para o “ensaio”, porque trata da questão soviética, Luís Lavoura tem alguma razão, sobre o facto de Treblinka ter sido destruído pelos nazis. Até porque foram os próprios presos que se revoltaram dando origem a um levantamento. É bom, portanto, que leia o testemunho de Chil Rajchman, traduzido por Telma Costa: "Sou o Último Judeu".
Mas a questão da libertação é outra história. O autor do ensaio não afirma que foram libertados este ou aquele campo. Nem se refere concretamente a nenhum campo. O que o autor diz é que Vassili Grossman (veja lá se também aqui encontra alguma questão de albabeto cirílico!) reproduziu nas suas crónicas a libertação de Treblinka e Majdanek. E o seu artigo “O Inferno de Treblinka” servirá de prova nos julgamentos de Nuremberga”. Como se diz no “ensaio”. Não se diz mais nada do que isso.
Nós conhecemos o tipo de retórica (inquisitorial) utilizado por Luís Lavoura. É antigo. Por essa razão nos Evangelhos Jesus a uma pergunta, responde com outra! Mas nós não somos Jesus e a uma “aldrabice” procuramos responder com a “verdade”. Cícero também a usou, mas com virtude!
Quanto à localização dos vários campos de extermínio descrita pelo comentador, o mapa que apresentamos regista bem o seu desconhecimento geográfico polaco.

Em suma, Luís Lavoura nada acrescentou ao debate. Ao contrário de Pedro Correia, Maria Dulce Fernandes , ou De singularis alentejanus que, com prosa singela, disseram mais numa linha que Luís em vinte!

A retórica de Luís Lavoura é a mesma das (retóricas, não vá aqui arranjar alguma questão  de alfabeto cirílico) do costume – “sem tirar nem pôr”, como diz o vulgo.

Armando Palavras

NOTA: Não lhe respondemos no blogue de Pedro Correia, em comentário, porque não temos o direito de incomodar ninguém. Respondemos-lhe neste, que apenas nos incomodamos nós. Aqui, Luís Lavoura pode comentar à vontade, porque lhe responderemos à vontade. E, se quiser, tem direito de resposta. Porque a liberdade é, para nós, o valor mais sagrado. E o apuramento da verdade, o segundo.

Actualizado a 1 de Setembro de 2017

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