domingo, 20 de agosto de 2017

Trás-os-Montes, o Nordeste, retratado por Rentes de Carvalho

  

A convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, J. Rentes de Carvalho lançou recentemente um ensaio sobre Trás-os-Montes e o Nordeste Transmontano. E logo nas primeiras linhas nos diz que preferia, agora, lançado o repto, “refilar contra Portugal inteiro”, do que ver-se “a braços com a própria carne”.
Rentes de Carvalho observa, melancólico, a sua gente na aldeia dos Estevais. Os rapazes da sua geração, vê-os agora sair de manhã cedo “trôpegos e doentes”. Um de tractor, outro em burra manca, outro a pé com o cão ao lado, iludidos “que vão para um trabalho”.
Neste retrato melancólico, o autor vai ao enterro da Ermesinda, na companhia do senhor Antero, cujas terras estão quase todas ao abandono. E as recordações de tempos idos, voltam à memória. Os anos 50, negros para a Região (e para o País). Episódios desse tempo, colocam a nu uma “das mais atrasadas regiões da União Europeia, que em abandono e vergonhoso desleixo do governo central, talvez só se compare ao Nordeste da Roménia e à região de Severozapaden na Bulgária”.
As causas estão lá bem atrás, nos idos 50. Com apenas a Linha do Sabor, uma única estrada macadamizada, sem electricidade, com água da fonte de mergulho. Dos costumes e das práticas, a “sujidade era medieval”, com as ruas da aldeia cobertas de palha para ser recolhida como estrume (adubo). As doenças eram aos punhados e a pobreza também. Vai buscar à memória o “isqueiro” que se usava e a poupança de um fósforo, transcrevendo, dorido, um texto de H.G. Wells, publicado em 1924 (antes, portanto, do Doutor Salazar), sobre o Portugal de então (p. 19).
Embora as palavras doam, no Nordeste Transmontano de hoje, observa-se o desânimo nos rostos. A falta de actividade, o escasso consumo, nos hospitais e escolas (que fecham por falta de crianças). Contudo, a ilusão e os slogans (a urgência de lutar contra a desertificação), nada valem contra a realidade nua e crua. “Um subsídio aqui, um IC5 além, podem dar uma aparência de melhoramento e movimento, mas a realidade é a de boas estradas sem trânsito e fundos que em geral derretem antes de atingirem os objectivos a que se destinavam”. É este o drama da Região, que se torna preza de caciques e clientelas por ser pobre.
Percebe-se porque razão RC preferia refilar com o País inteiro. Porque aquilo que reclama contra a sua gente podia incrustar-se ao país inteiro: atrasado, dominado pelo clientelismo, caciquismo e CORRUPÇÃO.
Ao Turismo dedica o 2º capitulo. Alude ao “Lange Traject” entre Moncorvo e Miranda, no Verão de 1996; aos apoios das gentes nordestinas, ao bonzo que em Lisboa chefiava uma repartição de Turismo (nota 5, p. 25), à conversa entre uma rapariga holandesa, “loira, linda”, com um homem de uma das aldeias onde pernoitaram, e aos apoios financeiros holandeses e camarários do Nordeste.
Da linhagem do autor tratou o clínico holandês que o analisou em 1964. E o próprio na página 32. Um fiel retrato do Transmontano, encontra-se nas páginas 33, 34 e 35 do 3º capítulo. As restantes páginas das 76 do ensaio, deixamo-las para o leitor.
Se para muitos este retrato abusa pelo pessimismo, desenganem-se. É um retrato genuíno, realista, conciso, sem alardes, carregado, por vezes, de grande humor.      
Rentes de Carvalho, além de ser um escritor de excelência, é um homem sério. Acerta na mouche em toda esta reflexão.                Armando Palavras

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