Sócrates anuncia resgate em 2011 |
Se não devemos dar parabéns a António Costa pelo primeiro lugar no Festival
da Eurovisão, por que razão é que temos de lhe dar os parabéns pelo crescimento
económico no primeiro trimestre deste ano?
Os últimos dias têm sido fantásticos para António Costa. No sábado, ganhou
o campeonato de futebol e venceu a Eurovisão. E como se não bastasse, reclamou
ontem mais uma coroa de louros pelo crescimento da economia no primeiro
trimestre do ano.
Como dizem? Não foi Costa quem ganhou o campeonato? Não foi ele quem venceu
a Eurovisão? De acordo. Mas se não devemos dar a Costa os parabéns pelo
primeiro lugar na Eurovisão, só por causa desse pequeno pormenor de ter sido
Salvador Sobral quem lá foi cantar, por que razão é que temos de lhe dar os
parabéns pelo crescimento económico?
Costa é suficientemente honesto para admitir que não cantou na Ucrânia. Mas
no caso da economia, insistirá em que o mérito é seu: foi a sua “reposição de
rendimentos”, como ensinou ontem, que operou o milagre. Muito bem. Sabem quando
é que ocorreu a maior taxa de crescimento antes do trimestre passado? Exacto:
em 2010, na véspera da bancarrota, depois de José Sócrates ter reposto
rendimentos no ano eleitoral de 2009. Obter picos de crescimento num trimestre ou
num ano não é difícil, nem é garantia contra descalabros. O que é difícil é
manter o crescimento ao longo do tempo, sobretudo num país endividado, onde não
é possível aumentar salários e pensões todos os anos.
A chegada da Troika a Portugal em 2011 |
Mas a questão principal aqui não é essa. A questão é saber quem é que teve
de executar o programa de ajustamento e diminuir os défices, de modo a
habilitar o país a beneficiar do financiamento do BCE. Porque sem isso, não
teria havido “devolução de rendimentos” em 2016. Foi António Costa? Não, não foi
Costa, tal como não foi Costa quem ganhou a Eurovisão ou quem venceu o
campeonato. António Costa aproveitou as condições criadas por Pedro Passos
Coelho, que deixou a economia a crescer e o desemprego a diminuir. Foi graças a
essa herança, que Costa pôde fazer num ano devoluções que o governo anterior
agendara para mais tempo – uma pressa que Costa compensou talhando o
investimento público até ao osso.
Estamos a viver a segunda parte da ilusão nacional: a tese de que a descida
do défice, a queda do desemprego, e a melhoria do crescimento económico se
devem, única e exclusivamente, à miraculosa “inversão de políticas” de António
Costa. Digo “segunda parte”, porque a primeira parte da ilusão vivemo-la entre
2011 e 2015, quando António Costa, os seus actuais parceiros parlamentares e os
“verdadeiros sociais democratas” do PSD gritavam que todas a “austeridade” se
devia, única e exclusivamente, ao gosto de Passos Coelho em fazer mal aos
portugueses.
Há um elemento comum nestas duas partes da ilusão: o desaparecimento dos
antecedentes, a eliminação da causalidade. Entre 2011 e 2015, desapareceu o
governo socrático, que endividou o país e chamou a troika. Desde 2015,
desapareceu Passos Coelho, que, quase sozinho, conseguiu renegociar as
condições do ajustamento e executá-lo. Na primeira parte da ilusão, Sócrates
foi encoberto para concentrar todas as culpas em Passos Coelho; na segunda
parte, é Passos quem desaparece, para que António Costa recolha todas as
palmas.
Mas em que consiste então a ilusão? A ilusão é a ideia de que a
prosperidade depende totalmente do poder do Estado, que a riqueza é uma
torneira que os governos abrem e fecham quando lhes apetece. Se Portugal não
teve festa em 2012, foi porque Passos não quis. Se Portugal faz festa em 2017,
é porque Costa quer. E portanto, não temos de nos preocupar com quem nos tenta
convencer a melhorar as condições para o investimento e o trabalho em Portugal.
A única coisa de que precisamos é de primeiros-ministros que distribuam
dinheiro.
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