Uma forma de ignorar
o problema da indisciplina é não o assumir como coisa da sociedade e da Escola
e torná-lo coisa do professor, cuja função é mediar a aprendizagem dos alunos e
não gerir conflitos provocados por comportamentos disruptivos.
Foi tornado público
que, durante o ano lectivo de 2015/2016, se registaram 5051 ocorrências do foro
criminal nas escolas portuguesas, isto é, 500 por mês, em média. No ano
anterior haviam sido registadas 3930. Sublinho que não se trata de incidentes
disciplinares. Foram ocorrências que caem sob a alçada do Código Penal.
Cumulativamente, a PSP teve ainda que intervir em mais 2001 situações de outro
tipo. Estes números são preocupantes e apelam à reflexão.
Aquando de casos
mais graves de violência em meio escolar, verifica-se, por parte das
autoridades respectivas, uma propensão para dissimular os acontecimentos. Mas
se por um lado sabemos que a tendência para iludir o óbvio foi classificada por
Freud como a primeira paixão da humanidade, por outro também sabemos que
ignorar a realidade nunca nos salva. Aceitemos, então, que a indisciplina é
hoje um dos maiores problemas, se não o maior, do sistema de ensino e que há
uma evidente crise de autoridade na escola. Quando a estudamos, são esmagadoras
duas situações responsáveis: do ponto de vista interno, a falta de coragem para
adoptar políticas adequadas à solução dos problemas, materializada pela
manutenção de uma lei inadequada que introduziu no processo disciplinar o
método processual penal, com um cortejo de prazos, audições e garantias
pedagogicamente desadequadas, permitindo a proliferação de pequenos marginais;
do ponto de vista externo, a crescente demissão dos pais para imporem
disciplina aos filhos.
A maioria dos pais
de filhos indisciplinados não gostaria de ter filhos indisciplinados. Mas não
sabe ou não pode discipliná-los. Os restantes são negligentes, que não se
interessam pelos filhos e são, eles próprios, quantas vezes, marginais.
Os alunos
indisciplinados criam problemas graves, que perturbam a vida da comunidade. A
escola deve fazer o possível para os ajudar. Mas antes tem a obrigação de
proteger os outros e não permitir que os primeiros lhes tornem a vida
impossível. A palavra-chave de uma estratégia de actuação é responsabilizar.
Não é ignorar, branquear, contemporizar.
Os jovens são seres
que vivem de modo particularmente intenso e até tumultuoso as suas emoções. Os
adultos têm mecanismos de regulação dessas emoções. Os jovens, em processo de
formação, procuram-nos. Se em casa não os encontram, temos que dar instrumentos
à escola para enfrentar o obstáculo.
O empirismo de
qualquer vida vivida (a redundância é propositada) dispensa a cultura
psicológica mais erudita para sabermos como tem que ser. Numa primeira fase os
comportamentos são regulados a partir de fora: são os pais, são os professores,
são os adultos que actuam, que moldam. Num segundo momento, de co-regulação, o
ser em crescimento vai aprendendo, na interacção com os outros, a dominar-se e respeitar
os pares (sem dispensa da atenção cuidada e, sempre que necessário, activa e
interventiva, do adulto). Para chegar, por fim, à auto-regulação, estádio
maturo e autónomo em que, sozinhos, encontramos o nosso equilíbrio social.
Simples? Não,
complexo. Sobretudo quando os políticos não percebem que tratar isto exige uma
longa “linha de montagem”, que requer pessoas com tempo e meios para apertar os
“parafusos”.
Dispendioso? Talvez
não, se se derem conta que dispensa muitos envios para o “controlo de
qualidade”. E, mais ainda, se se derem conta que os produtos acabados desta
“linha de montagem” são pessoas. Isso, pessoas!
Uma forma de ignorar
o problema da indisciplina é não o assumir como coisa da sociedade e da Escola
e torná-lo coisa do professor, cuja função é mediar a aprendizagem dos alunos e
não gerir conflitos provocados por comportamentos disruptivos. Tenhamos
presente que essa função principal é constantemente secundarizada, quando não
anulada, pela indisciplina e que grande parte do tempo lectivo é ocupada com a
gestão de conflitos, quando devia ser usada com a gestão das aprendizagens.
Professor do ensino
superior (s.castilho@netcabo.pt)
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