BARROSO da FONTE |
Leio esta profecia no semanário a Voz de
Trás-os-Montes de 13 de Outubro. A novidade chega-me no mesmo instante em que
se anuncia o nome do vencedor do prémio Nobel da Literatura: Bob Dylan. Tal
como os músicos vão ceder o primado artístico aos poetas, também os
comentadores políticos vão destronar os
jornalistas que terão de encarnar o papel de bibliotecários ou tarefeiros. Quem
anunciou esta evolução semântica foi
Ricardo Jorge Pinto, diretor adjunto de informação da Lusa na palestra
de abertura do Curso de Pós-graduação, em Jornalismo Regional UTAD/Lusa que
decorreu dia 9 em aula aberta na Universidade Transmontana.
Conservo deste académico e comentador televisivo uma boa imagem pela
forma clara como se exprime, pelo equilíbrio do seu discurso e pela
simplicidade do seu modo de estar. Pertence à geração que se seguiu à minha,
nos domínios da comunicação. Foram posturas como a sua que deram seguimento aos
contributos que as várias associações criadas no meu tempo e os vários poderes
que se sucederam a formatar o status quo que hoje enfrentamos. Face aos
exageros ideológicos, à ganância no acesso ao domínio empresarial e à
proliferação dos compromissos éticos, a moralidade informativa foi absorvida
pelo poder económico.
O
jornalismo não ficou incólume. E seus servidores foram as maiores vítimas da
atual geringonça.
Ser jornalista foi vocação de muitos, mas
ocupação séria para muito poucos. Basta olhar para a biodiversidade social,
para perceber que muitos se formaram para apóstolos da verdade, mas muitos tiveram de trocar o «quarto poder, pelo
quarto do poder». Neste moderno aforismo se condensam todos os ingredientes dos
maiores escândalos, nestes 40 anos de democracia.
Na
última semana, dia 7, o GI (Gabinete de Imprensa de Guimarães), primeira associação
criada (em 3/3/1976) após a revolução de Abril, assinalou quatro décadas dessa
associação que foi o fermento da maior parte das medidas moralizadoras do
sector. O GI convidou o ex-líder do PS, José António Seguro, para uma palestra
sobre « transparência e reforma eleitoral». No dia seguinte a Lusa surgiu nos
órgãos da informação com um naco de prosa de inspiração ideológica, a quatro
colunas, mas nem uma palavra a falar do aniversário ou do aniversariante. O
cerne do evento não foi o antigo secretário-geral, mas os 40 anos de uma
associação de utilidade pública. Mas nenhum leitor, de qualquer jornal ou
revista, soube da instituição que
acolheu essa cerimónia, nem o motivo porque se deslocou a Guimarães. Tal-qual o
exemplo que esclarece um qualquer candidato a jornalista: «se o cão morde o
homem, não é notícia. Mas, se o homem, morder o cão, é notícia, de certeza».
Que
anda tudo invertido vê-se, ouve-se e comenta-se. Que os jornalistas foram
substituídos por comentadores das mais variadas atividades, constata-se em cada
dia que passa. Que todos os canais televisivos ou radiofónicos dizem o mesmo
nas notícias, às mesmas horas e com os mesmos intérpretes é indesmentível. Só
mudam as caras, os cenários e o tom de voz. Os jornalistas que têm os direitos de autor nos artigos que
escrevem, perdem esses direitos logo que entregues à redação dos jornais ou das
rádios. Os profissionais da imprensa que apostaram em cursos superiores para
exercerem aquilo que aprenderam e que o Estado e as Famílias investiram. Mas o
próprio Estado permite e facilita todas essas manobras antidemocráticas em nome
da liberdade de expressão e de empreendedorismo.
O
exemplo que acima relato e que se passou na presença do signatário, implicando
a Lusa, transporta-me aos tempos do PREC,
em que valia tudo, desde a RTP à agência nacional de Informação (desde a ANI à ANOP). Na qualidade de diretor da Delegação
do Norte da então Direção-Geral da Comunicação Social, fui vítima dessa maleita
revolucionária. Quem não fosse da esquerda radical era enxovalhado. E eu,
encontrando-me no meu gabinete de trabalho, na Rua de Santa Catarina, tive de
«gramar» na RTP a notícia de que o
«Delegado da DGCS será hoje julgado à revelia por ação movida por A. Garibáldi».
A mais pura ficção num país em busca da liberdade. Prezo-me de ter contribuído,
de diversas formas, para o Portugal com que sonhei e que, infelizmente, ainda
me envergonha num setor que me absorve desde há 63 anos de militância
jornalística.
Não
culpo Ricardo Jorge Pinto, embora ele seja diretor adjunto da Lusa, herdeira da
ANI e da ANOP. Mas desagradou-me a notícia que li, dia 9 do corrente. Na aula
de abertura na UTAD «fez o retrato da evolução do setor, desde o iluminismo até
aos nossos dias..O jornalismo da notícia, da total isenção, mas sobretudo da
objetividade … está sendo abandonado. Objetividade é hoje um conceito perigoso,
pois há sempre uma componente subjetiva na visão dos factos».
Partilho inteiramente desta visão do
jornalismo que por aí se faz. E partilho também que «o perfil do jornalista vai
ter de mudar. Terá de ter qualificações multimodais: saber escrever, paginar,
fotografar, dominar tudo, mas ser também especialista em alguma coisa».
Devolvo ao jornalismo e aos jornalistas integrais o que sempre fizeram e
continuam a fazer. Ainda são eles que seguram a transparência que vamos tendo.
Têm falhado todos os líderes e em todas as profissões. O que custa é constatar
que esses líderes, cada vez mais mais, usurpam as áreas e as competências dos
jornalistas, quando se sabe que não o fazem para melhorar a transparência,
antes pelo contrário.
Barroso da Fonte
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