Publicado
no Jornal "Poetas e Trovadores", 31 de Dezembro de 2015, página 10.
Esta
obra evoca as várias dimensões do amor vivido pelo sujeito poético, num tempo
em que, agora, se transformou em saudade metafísica.
Lembrando
Camões e Florbela Espanca que ora cantaram o Amor de uma forma intensa e arrebatada
ora, através de metáforas e de interrogações retóricas, questionavam os efeitos
de tão profundo sentimento, a poetisa relembra o seu passado e presta homenagem
aos dois eternos companheiros - Fernão de Magalhães Gonçalves e Espiga Pinto -
com quem partilhou o "verdadeiro amor,/símbolo de continuidade e
regeneração." (p.27).
Esse
sentimento grandioso e sublime surge associado a expressões corporais - o
olhar, os dedos, as mãos, o peito, o coração - para reforçar a entrega total de
um ser ao outro: "As tuas mãos/ nas minhas mãos/ reflectem o sol."
(p.26); "O teu corpo/ dentro do meu corpo/ vai semeando no caminho"
(p.28). Esta fusão de sentimentos, contemplando, em nome do verdadeiro amor, a
dor da separação dos amados, remete-nos para a súplica de Eros junto de Zeus,
lutando pela paz no Olimpo. Assim, o sujeito lírico aspira, em vários poemas, a
esse reencontro final com o "tu", desmistificando os mistérios do
transcendente e do Além. A poetisa que se identificou com a lua, cedendo o luar
para o masculino: "Eu sou a lua./ Tu és o luar,/ a harmonia/ do rio
transbordante/ de vida." (p.30), revela-nos que prezava a tranquilidade
neste percurso vivencial, mesmo na qualidade de sombra, de dependência perante
o luar (o outro) que a encaminhava sempre para o desabrochar da vida.
A
nomeação dos elementos da natureza, quer na sua forma líquida quer sólida -
caso da água, mar, rio/terra, flores - contribuem para uma maior união das
emoções vividas, sugerindo fusão, uma espécie de ponte para a outra margem, a
de lá: "Conta-me esses mistérios/ de circundar a esfera celeste,/ deslizar
na faixa brilhante,/ e os novos aromas/ que trazes para o nosso quarto,/ quando
me vens acordar." (p.52), pois cá, através da memória e dos sentidos,
sente o aroma que ficou e, agora, perfuma o quarto que ambos partilharam no
"nosso quarto". A dialética temporal agudiza uma certa melancolia
ínsita nestes poemas, resquícios de reminiscências que os espaços ajudaram a
preservar e que, numa conjugação de categorias espaço-tempo, permitem eternizar
o Amor. Há poemas que, pela evocação do circundar, de busca, sugerem um
primeiro tempo de amor vivido; enquanto outros semantemas nos remetem para
outro tempo. Neste "entre" o sujeito lírico confessa muito ter
aprendido com o "tu" e reconhece que está mais completa com essas
aprendizagens: "Estou mais completa/ muito de ti em mim,/ algo de mim em
ti,/ para um dia me encontrares" (p.53). Uma espécie de preparação para o
reencontro final, lembrando Saturno e Vénus; desprendida da corrente da vida;
qual Vénus se entrega ao verdadeiro deus! Ela que sempre seduziu, espera, nesta
atitude catártica, prepara-se para o caminho das estrelas, o mesmo céu que
traçou o seu Destino: "O céu/ do teu destino/ marca/ o compasso do
meu" (p.41) - ambos ficarão eternos pelo Amor, razão pela qual este
sentimento aparece personificado na capa AMOR (em maiúsculas). O título é,
assim, o resultado desta mundividência em que o real e o esoterismo se juntam,
em jeito musical.
Nesta
relação triádica, o feminino surge como equilíbrio artístico entre escrita e
pintura, como aliás, o livro testemunha: na capa, um desenho de Espiga Pinto,
no interior da obra, poemas de Fernão de Magalhães Gonçalves e, no ser total, a
chancela da Tartaruga Editora. Ao terminar a obra, o sujeito poético, depois de
tantas palavras efusivas sobre a recordação do Amor verdadeiro, mostra-se
despojado de tudo e apenas aguarda o momento final: "Escrita/ pintura,
nada interessa,/ (...) Digo-te, amor,/ para me vires buscar." (p.53).
O
AMOR aqui "cantado" por Manuela Morais espelha o brilho musical dos
instrumentos evocados nos lexemas "escrita" e "pintura" que
se lhe cravaram na alma como o cheiro na pele; esse mesmo brilho há-de
conduzi-la às estrelas, quando a noite vier.
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