sábado, 30 de novembro de 2013

Exploradores Portugueses e Reis Africanos




Um livro que fala de África. Da África do século XIX. De um conjunto de exploradores portugueses que desbravaram terras desconhecidas. Homens tornados lenda. Que resolveram os mistérios da geografia africana de mãos dadas com os ambaquistas, pombeiros e moleques.
Dos seus diários, testemunhos de mundos desconhecidos, saltam conhecimentos de geografia, antropologia, etc. Tratam da escravatura, dos encontros com reis e príncipes africanos. E neles se inscrevem as características individuais dos africanos, incrustadas de preconceito. Deles ressaltam caravanas com cerca de 200 pessoas em movimento, os acampamentos organizados, o momento do descanso, a caça, os rituais de feitiçaria, a curiosidade dos africanos junto do supremo feiticeiro – o explorador (sertanejo). É descrita toda a faixa do continente atravessada pelas explorações. E dela se descrevem todos os pontos de vista: geográfico, climático, linguístico, cultural (muito diversa); os movimentos populacionais, os seus sistemas políticos, como os impérios governados por aristocracias e soberanos despóticos, estendendo os seus domínios por áreas de território imenso[1].
O terror, os sacrifícios humanos de alguns desses potentados, são descritos pelos exploradores portugueses e por Richard Burton, um imenso e extraordinário espírito humano.
Mas destes diários ressaltam dois objectivos fundamentais do Estado português: a abolição completa da escravatura (especialmente do comércio de escravos), praticada pelos sertanejos e, principalmente pelos potentados africanos, e a tentativa de aculturação (acção civilizadora) desses mesmos potentados com a finalidade de erradicarem os costumes bárbaros de punição dos seus súbditos, descritos em pormenor nessas páginas gastas pelo tempo. Como por exemplo o esquartejamento de corpos vivos, cujos pedaços são entregues a povos que praticam canibalismo.
Os exploradores que se seguem neste livro apontavam para as capitais destes potentados. Seguiam em caravanas enormes compostas de carregadores, com produtos para negociar com esses soberanos.
Silva Porto, o europeu que melhor conhecia estes caminhos africanos, percorridos durante décadas, esteve por diversas vezes no Barotze (já sob o domínio dos invasores Macocolos), e em determinadas zonas do império Lunda, cuja capital foi visitada em 1846 por Rodrigues Graça e em 1886-87 por Henrique de Carvalho. No Barotze esteve ainda Serpa Pinto aquando da sua travessia de Benguela a Durban, em 1878.
António Gamito (juntamente com o major Monteiro) alcançou o Cazembe em 1831.
José Monteiro e António Gamito, entre 1831 e 1832 encetam uma viagem ao império do Cazembe, na senda do que fizera Lacerda de Almeida três décadas antes. Gamito manteve durante todo o percurso, um diário de relevante riqueza descritiva, constituindo um impar documento da História de Portugal, de Moçambique e da actual Zâmbia. Descreve a corte do Muata Cazembe, as figuras proeminentes, os percalços de jornada, o serralho do monarca, o seu perfil, os costumes bárbaros de punição pelo terror,  e por aí adiante. O final do seu diário é um hino à abolição definitiva da escravatura.
Em 1846, Joaquim Rodrigues Graça, oriundo do Golungo Alto, onde tinha sede de negócio montado com trabalho escravo (mas que se vinha adaptando já às medidas abolicionistas do marquês de Sá da Bandeira) empreende uma expedição ao mítico império do Muatiânvua.
O explorador aproveitou os préstimos de Dona Ana Joaquina, mulher mestiça de ascendência portuguesa, abastada proprietária e esclavagista, que se impusera no sertão oitocentista, conhecida como senhora dos matos ou Dembo e Alala.
Em todos os potentados por onde passava, nas audiências, transmitia as propostas politicas do Muene Puto: a erradicação do comércio de escravos.
Também Graça no seu diário descreve a viagem meticulosamente, incluindo a chegada  a mussumba de Cabebe que tinha a forma de tartaruga.
Em 1852, na força dos seus 34 anos e já com quinze de tirocínio em África, Silva Porto foi desafiado a empreender uma expedição portuguesa de travessia do continente – de Angola a Moçambique. A pretexto de acompanhar dois comerciantes árabes (Ben-Chombo e Ben-Adballa) de Zanzibar que, atravessando o continente, haviam chegado às cercanias de Benguela e tinham causado enorme surpresa na comunidade angolana.
Silva Porto não passou do Barotze, encontrando-se com Sekeletu, o imperador. Delegou o resto da missão ao seu pombeiro João da Silva. Nos seus milhares de páginas manuscritas, ainda hoje inéditas, o sertanejo de Benguela refere esta expedição, bem como no seu livro “Viagens e apontamentos de um português em África”. Neste, descreve o encontro com o lendário reverendo David Livingstone, o explorador escocês.
Serpa Pinto conta-nos o encontro com outro explorador mítico – o americano  Stanley. E como ficou comovido ao apertar-lhe a mão quando este acabara de realizar uma viagem épica que tinha durado exactamente mil dias, iniciada em Zanzibar e terminada no Congo.
Além deste encontro, Serpa Pinto, agora com Capelo e Ivens protagonizam outro encontro não menos célebre, em Benguela, com José de Anchieta, “o primeiro explorador zoologista de África”.
Desavindos, os três exploradores separam-se. Capelo e Ivens seguem para o Norte de Angola e Serpa Pinto empreende sozinho a viagem de travessia. Em terras do Barotze, a 21 de Outubro de 1878, encontra François Coillard, missionário francês, protestante, que estava em África há 20 anos. Seguem juntos para Lexuma, onde estava a mulher e a sobrinha do missionário. Serpa Pinto irá descrever o tempo que passaram juntos, e Coillard no seu livro On the Threshold of Central África, um dos clássicos da literatura missionária, dedicar-lhe-á algumas linhas.
Despedem-se comovidos e Serpa Pinto segue para sul. Não entra em Moçambique, mas a 12 de Fevereiro de 1879 (mais de oito meses depois da partida do Bíé), entra em Pretória apenas com um pequeno grupo de sete pessoas. Foi homenageado e seguiu para Durban, de comboio, para ver o mar: o Índico.
Entretanto Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens tinham optado pela exploração do norte de Angola. Fracassaram, mas em 1884 tiveram a oportunidade de se redimirem. Desafiados pelo Ministro da Marinha e do Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, concluíram o que Serpa Pinto não fizera: atravessar África de Angola a Moçambique, cujo diário depois de publicado se intitulou “De Angola à Contracosta”. A ele se deve o conhecimento de alguma historiografia africana. Entram em Garanganja, são hóspedes de um grande senhor que lhes aparece escarranchado num escravo, N’Tengue, súbdito do rei Musiri, cuja mulher principal era Maria da Fonseca, irmã de um comerciante angolano.
Capelo e Ivens chegam a Moçambique em 1886, enquanto decorria a famosa Conferência de Berlim, Musiri é mandado assassinar por esse sinistro rei belga, Leopoldo II (a que Vargas Lhosa se refere no Sonho do Celta, bem como escritores de viagens como Tim Butcher) e Maria da Fonseca é decapitada por um filho de Musiri.
Henrique de Carvalho empreende, em 1884, a viagem de exploração ao mítico império do Muatiânvua, onde estivera quatro décadas antes Rodrigues Graça. Tinha sido veiculada a noticia de que uma expedição alemã rumara já a Malanje. E é em Malanje que o major Henrique Augusto Dias de Carvalho, secundado pelo major Agostinho Sizenando Marques (de São Tomé e Príncipe) e o tenente de Artilharia Manuel Sertório de Aguiar, se encontra com Hermann von Wissmann (o chefe da expedição alemã), num jantar patrocinado pelos irmãos Machado.
Pelo percurso indicado por Custódio Machado, Henrique Carvalho irá encontrar um potentado de primazias femininas, cuja “rainha-mãe” era Mona Mahango. Irá ainda, encontrar o velho príncipe Xa Madiamba que pretende ajudar a entronizar como imperador. É nessa altura que o velho império se encontra numa luta pelo poder, com intrigas de corte, etc.
Este livro acaba com o mito da África primitiva e tribal, para nos transportar a uma África monárquica, a exemplo da Europa.

Armando Palavras



[1] Todos estes impérios tinham uma relação histórica com aquele que era o mais antigo e o mais poderoso – o Lunda. Embora a estabilidade do império dependesse da acção de um conjunto de controlos a cargo de uma classe administrativa com poderes militares sem relação de parentesco com as linhagens aristocráticas, na prática o equilíbrio estava sujeito a um núcleo ideológico cuja origem remota era um império mais antigo, cujo esplendor se extinguira, localizado a norte da Lunda: o império Luba.
Foram estes poderosos soberanos africanos que, com solenidade, receberam no requinte das suas cortes esses exploradores brancos, enviados pelo “irmão” Muene Puto, para com eles discutirem importantes assuntos de Estado.


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