quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Aspectos de Ontem - António de Montezinos (um judeu de Vila Flor) e as dez tribos perdidas de Israel


António de Aharon Levi Montezinos nasceu em Vila Flor no seio de uma família cristã-nova. Até 1644 viveu nas Índias Ocidentais[1]. Por esta altura viaja para Amesterdão e após uma estadia de seis meses retorna ao Recife, acabando por falecer dois anos depois.
Em Amesterdão, a 18 de Julho de 1644, perante Menasseh ben Israel (a que já fizemos referência em escrito anterior) e outros membros da Nação Portuguesa, relata o seu encontro, dois anos e meio antes, com os índios dos planaltos da actual Colômbia[2]. Segundo António de Montezinos seriam os descendentes da tribo de Rúben. Este relato foi inserido na obra messiânica de Menasseh ben Israel, Esperança de Israel[3], escrita em 1650, obra que inflamaria os espíritos dos judeus e prepararia o terreno para o movimento messiânico de Sabatai Zvi. De acordo com o seu relato, esta aventura teve lugar após a sua prisão nos cárceres da Inquisição de Cartagena[4] nas Índias. Teria sido o seu guia índio, Francisco, que lhe fizera alusão a “um povo escondido”[5]. Montezinos e Francisco iniciam uma viagem de montanha e ao cabo de uma semana chegam às margens de um grande rio (suspeita-se que seja o Cauca) que Montezinos, na sua Relação, compara ao Douro. Do outro lado do rio encontram uns índios estranhos que vêm ao seu encontro e lhe recitam a profissão de fé judaica em hebraico: “Escuta Israel, o Senhor é o nosso Deus, o Senhor é Um”. Afirmam pertencer à posteridade de Abraão, Isaac, Jacob e Rúben e esperam a chegada de 12 homens que saibam escrever para deixarem o seu refúgio[6]. Para Montezinos não havia dúvidas. Aqueles índios eram descendentes de uma das dez tribos perdidas e do seu retorno dependia a redenção de Israel. E tal foi o entendimento de Menasseh ben Israel.
Tribos Perdidas, foi o nome porque ficaram conhecidas as dez tribos de Israel (Rúben, Simeão, Dan, Neftali, Gad, Aser, Issacar, Zabulão, Efraim e metade de Manassés) que constituíam o reino de Israel após a sua separação de Judá, depois da morte do Rei Salomão[7]. Em 722 a.C. o reino de Israel foi conquistado pelos assírios que deportaram os israelitas para Hala, sobre o Habor, rio de Gozan, e para as cidades dos medos (2 Reis: XVII, 6 e XVIII, 11). A crença no seu regresso é um elemento da escatologia judaica e assenta nas palavras dos profetas Isaías (Is:11,12) e Ezequiel (Ez: 37, 15-28), no Talmude e no Midrash. As lendas sobre elas são numerosas e delas existem elementos em escritos de Benjamim de Tudela (séc. XII), nas cartas do Preste João das Índias, nos relatos dos navegadores portugueses, de David Reubeni (séc. XVI). O tema é retomado no séc. XVII pelo padre António Vieira na obra Esperanças de Portugal”. Sobre o assunto existem numerosas obras que podem ser consultadas[8]. A este tema, Arthur Koestler dedicou anos de pesquisa. Referiu-o George Steiner.



           Alfredo Roque Gameiro e António Conceição Silva,
         “O Desembarque” (pormenor), Gravura, 1900.

Armando Palavras

                                              


[1] Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses / Mercadores e Gente de trato, dir. A.A. Marques de Almeida, Campo da Comunicação, 2009.
[2] Pinharanda Gomes, Messianologia e integralismo sionista: Menassé bem Israel e Oróbio de Castro, in: História do Pensamento Filosófico Português – Dir. Pedro Calafate – Vol II, Caminho, Lisboa, 2001.
[3] Esperance d’Isräel, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1979.
[4] Cidade vezes sem conta em plano de fundo nas narrativas de Gabriel Garcia Marquez, como por exemplo “ O Amor nos Tempos de Cólera”.
[5] Presentemente ainda estão assinaladas algumas tribos do género nessa grande região. São os casos dos Sanema na Venezuela e dos Matis no Brasil. cf. Bruce Perry, Tribo, Europa-América, 2009.
[6]Cecil Roth (História dos Marranos, Civilização, 2001, pp. 174-175), refere-se a este episódio, mas com ligeiras diferenças de pormenor.
[7] A inteligência judaica era favorável a um certo teor utopista. As utopias de Tomás Morus e de Tomás Campanella aludiam a um país de felicidade, que situavam algures, nos mares do sul (Pinharanda Gomes, A Filosofia Hebraico-Portuguesa, Guimarães Editores, 2009); Colombo copiou duas vezes o coro do segundo acto de “Medeia”, uma tragédia de Séneca, onde o autor falava de um mundo cuja descoberta estava reservada para os séculos futuros (Louis Pauwels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mágicos, Bertrand, Lisboa, 2008). Essa cópia pode ser examinada no manuscrito das “Profecias” que se encontra na biblioteca de Sevilha.
Entretanto, a Igreja Católica encarava a reconversão dos índios através da esclarecida vontade dos jesuítas; em 1627 era publicada por Francisco Bacon, a “Nova Atlântida”, descrevendo um estado com nítida estrutura salomónica; na ilha de São Miguel (Açores) aparecera uma lápide funerária de aparência hebraica, o que facilitou um movimento judaico que se instalou naquela ilha; no ano de 1655 era fundada a Companhia da Bolsa para o Brasil, destinada a restaurar a cidade de Pernambuco. Tanto a Holanda como Portugal, tinham os olhos postos nas promessas americanas, embora os judeus de Cochim procurassem convencer os seus irmãos (e atraí-los para Oriente) de que eram os descendentes das dez tribos perdidas.
[8] Destacamos: BEN ZVI, Itzjak, Tribus Perdidas, Buenos Aires, Ed. Candelabro, 1961; Dictionnaire Encyclopédique de Judaisme, Dir. Geoffrey Wigoder, Paris, Cerf, 1993; Os Judeus Sefarditas entre Portugal, Espanha e Marrocos, Coord. Cármen Ballester e Mery Ruah, ed. Colibri, Lisboa, 2004,pp. 53-85. 

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